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  • Foto do escritorDennis Souza

Resenha: Westworld s01e01 – The Original (com spoilers)

É segunda-feira. Você acorda, talvez com o som estridente de um alarme, talvez com sua música preferida (que já deve ter tornado-se irritante com infinitas repetições matinais). Levanta-se, após alguns segundos tentando superar o peso de (viver?) começar uma nova semana. Mecanicamente, repete como um sonâmbulo suas primeiras tarefas diárias, beija seu ente querido (talvez seu companheiro, talvez um pai amoroso) e deixa seu lar para novamente “ganhar o dia”.

Claro, talvez durante esse dia você procure cultivar momentos pretensamente únicos (um olhar mais demorado para uma bela paisagem em seu caminho, ou a carícia de um amante no meio da tarde), como forma de desmentir a aflitiva sensação de que você é apenas uma engrenagem da máquina, um autômato forçado a repetir as mesmas rotinas em favor de forças alheias à sua vontade. Você poderá até conquistar momentos fugazes de alegria, mas inevitavelmente seus planos acabarão em dor e sofrimento, porque essa é a natureza da realidade, e você é uma parte dispensável dela.

E então é segunda-feira. De novo. Duro, né?

Bem-vindo à vida, bem-vindo a Westworld.

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Prisioneiros da Caverna Escura

Westworld é a mais nova série de HBO, lançada com a promessa de ser “o novo Game of Thrones” da emissora. É uma adaptação do filme homônimo de 1973, um faroeste sci-fi escrito por Michael Crichton (do livro O Parque dos Dinossauros). Ao contrário da obra original, mais acanhada, a nova versão é uma produção de grande porte, que conta com nomes consagrados como J.J.Abrams e o casal Jonathan e Lisa Nolan (roteiro e produção), e atores de renome, como os veteranos Anthony Hopkins e Ed Harris.

Westworld é um parque de diversões adulto ambientado no Velho Oeste americano, onde seus visitantes (os “recém-chegados”) interagem com os “anfitriões”, robôs tão avançados que é praticamente impossível distingui-los de um ser humano, e em mais de um momento, o espectador se perguntará quem são os turistas nessa história. Como a satisfação do cliente vem em primeiro lugar, os visitantes são livres e incentivados a extravasar seus desejos mais sombrios, seja explodir a cara de um bandido, escalpelar um índio, ou violar à força uma donzela indefesa.

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A grande distinção entre o filme de 1973 e a nova série é o uso dessa premissa para tratar de questões mais profundas, como a natureza violenta do homem, ou a ilusão de liberdade da vida em sociedade. Nesse ponto, a série dá bom tempo de tela para acompanharmos a história sob o ponto de vista dos Anfitriões. Apesar da inteligência avançada, esses robôs estão eternamente presos em um ciclo narrativo de complexas tramas desenhadas para entreter os recém-chegados. São como personagens de livros, obrigados a viver infinitas vezes suas trágicas histórias, em um perverso “Dia da Marmota”.

De forma a dar veracidade ao local, os Anfitriões são programados para simular (?) as mais variadas emoções, de amor, medo, raiva, e sofrimento, mas sem poder ferir os visitantes, além de ignorar qualquer pista sobre sua verdadeira natureza ou a real função do parque. Como os homens acorrentados da caverna de Platão, os Anfitriões são escravos condenados a uma rotina de que não tem controle, nem ao menos consciência.

E o que acontece quando um deles olha para fora da caverna?

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Prisioneiros da Gaiola de Ouro

O terceiro núcleo da série são dos administradores do parque. Embora não sejam todos os personagens mais interessantes da história, é a partir dele que nos são apresentadas didaticamente as “regras do jogo” que, como é de se esperar, devem ser quebradas e distorcidas ao longo da temporada. Os Administradores, acéticos homens do futuro próximo, são apresentados como verdadeiros Deuses do Olimpo, que observam do alto de uma mesa de realidade virtual o dia-a-dia de suas criações, com amplo poder de intervenção sobre o parque.

Mas já no primeiro episódio fica entendido que essa onipotência é apenas ilusória, os próprios Administradores também estão presos em suas “gaiolas de ouro”. Não estranhamente, eles são sempre vistos confinados em seus laboratórios e salas de controle. Enquanto deuses dentro do complexo, fica claro que Westworld não é um mero chamariz para ricaços, mas um projeto muito mais complexo e misterioso conduzidos por acionistas desconhecidos a quem os Administradores devem obediência.

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Além disso, é pelas palavras do Dr.Robert Ford (Anthony Hopkins) que descobrimos que nesse futuro a humanidade soltou-se das amarras das doenças e da velhice, e está próxima de alcançar a imortalidade. Sem novos desafios claros, os homens estão presos pelo marasmo, em um beco evolutivo sem saída. Logo explica-se o passatempo mórbido do parque. A criação de uma nova vida (os Anfitriões) talvez seja a única fronteira que resta para eles.

Talvez por isso que o Dr.Ford, o mais antigo programador do parque, seja o responsável por inserir em alguns Anfitriões uma atualização que lhes permite ter “devaneios”, sonhos acordados em que as máquinas relembram fragmentos de suas muitas programações sobrescritas. Em pouco tempo diversos deles começam a demonstrar sinais de confusão, a culminar com a epifania de um deles sobre sua odiosa condição.

Dr.Ford, assim como o Prometeu mitológico ou A Serpente bíblica, é ao mesmo tempo criador e responsável por trazer a trágica centelha de consciência para os Anfitriões. Tudo é tratado como um mal-entendido, embora eu duvide que o bom doutor não tenha uma agenda própria. Na superfície, o problema é aparentemente resolvido ao final do episódio, salvo pela jovem Dolores Abernathy, uma donzela que permanece com o “vírus” do conhecimento sobre o bem e o mal. Ao final descobrimos que Dolores é a mais antiga Anfitriã do parque, uma espécie de Eva tecnológica, e provavelmente a que tentará “acordar” os demais autômatos e leva-los para a luz.

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As Cortinas se Abrem

Afora de todo hype gerado em torno de seu lançamento, Westworld de fato é uma série bastante promissora, e seu episódio piloto é claramente apenas uma introdução, a abertura de cortinas para atrair o público para a trama que deve se desenvolver a partir dos próximos episódios. Com o sofisticado nível de produção já conhecido da HBO, a série nos brinda com cenas belíssimas, e vai cair bem para aqueles que buscam elaboradas e violentas cenas de ação, em eletrizantes tiroteios típicos dos faroestes americanos.

Some-se a isso um elenco de personagens secundários curiosos, cenas de sexo e nudez (usadas com uma certa parcimônia, e por vezes mais para causar desconforto), trilha cativante (quem não gostou de ouvir Black Hole Sun no piano mecânico do Saloon?) e uma história complexa e cheia de enigmas deixados no ar – bem com a cara de séries como Lost – e temos um terreno fértil para boas histórias que prometem prender o público usual da emissora.

Pessoalmente, no entanto, entendo que o grande “recheio” da série está realmente no seus aspectos de ficção científica, que usa o chamariz do Velho Oeste para incomodar o telespectador mais interessado com questionamentos variados sobre a ética da nossa relação com as novas tecnologias e o significado da liberdade e violência em nossa sociedade.

Ah, e claro, perguntas sobre quais são nossas próprias gaiolas.

Nota: 9 pistoleiros malvadões (mandou bem, Santoro!).

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